Boas práticas de relacionamento com o cliente antes e, principalmente, depois da compra, evitam más experiências fatais para seu negócio. Conheça os casos de empresas que se esmeram nessas ações
Na década de 1950, o psicólogo americano Leon Fistinger desenvolveu os primeiros estudos sobre a teoria da dissonância cognitiva – um conflito inconsciente que o ocorre na mente humana quando o individuo realiza uma ação incoerente com seus valores, como, por exemplo, em um caso de adultério.
O efeito psicólogico faz com que a pessoa reflita sobre os prós e contras de suas atitudes, o que pode gerar sensação de angústia e arrependimento – uma descarga emocional ao confrontar suas expectativas com a realidade.
Nos últimos anos, o conceito foi incorporado ao mundo dos negócios por profissionais de marketing e de relacionamento com o cliente.
Nesse caso, a dissonância cognitiva é considerada o último estágio do processo de compra – aquele momento, pós-compra, em que o cliente analisa se realmente vez um bom negócio.
Geralmente, acontece em aquisições de alto valor ou que envolvam emoções, como compra de viagens de férias ou de presentes para entes queridos.
“O cliente que sofre de dissonância cognitiva e não recebe atenção da empresa tende a achar que foi enganado e induzido a fechar o negócio”, afirma Alexandre Diogo, presidente do Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC). “Em casos assim, o consumidor se arrepende e cria uma aversão à empresa – e dificilmente voltará a comprar ou indicar a empresa para outras pessoas.”
Arrependimento não mata, mas pode fazer com que o cliente abondone uma empresa. Veja como evitar essa situação:
IDENTIFICAR AS REAIS NECESSIDADES DOS CLIENTES
As medidas para atenuar possíveis efeitos de dissonância cognitiva começam antes da venda. É comum que os clientes não saibam exatamente quais são as suas necessidades.
“Nessa fase, a empresa precisa identificar quais são as reais carências do cliente e oferecer os itens que mais podem atendê-las”, afirma Paulo Eduardo Dubiel, diretor na Peds, consultoria de gestão e marketing. “O que nem sempre é o que o cliente deseja.”
Na loja carioca Bike Works, especializada em bicicletas de alto desempenho, é comum que clientes cheguem interessados em modelos que viram em revistas ou na internet. “Há modelos que custam até R$ 40 mil”, afirma Itamar Pedro, fundador da Bike Works.
No início do ano, a empresa implantou um protocolo de atendimento em vendas. Antes de oferecer um produto, o vendedor faz perguntas-chave ao cliente: se já possui o hábito de praticar atividades físicas, quanto está disposto a investir e quais são seus objetivos com a bicicleta (melhorar o condicionamento físico, passear, competir ou usar como meio de transporte).
O vendedor só oferece os produtos após a conversa. Para ajudar na escolha, o cliente pode fazer um test drive de 1 quilometro nos arredores da loja. Um funcionário o acompanha para tirar dúvidas na prática – o que também gera empatia e confiança.
“É melhor que o cliente compre um modelo mais em conta e aos poucos adquira outros itens de acordo com a evolução do seu desempenho”, afirma Pedro. “Caso ele opte por uma bike difícil de pedalar, logo se arrependerá e vai ter que trocá-la ou vai desistir de praticar o exercício.”
Durante a fase de esclarecimento de dúvidas, a empresa também pode reforçar a importância de seu produto para resolver as demandas do consumidor. No mercado de seguros, por exemplo, há clientes que hesitam em comprar um serviço que pode nunca ser usado – a assistência em casos imprevisíveis.
A Bradesco Seguros se vale de uma estratégia para convencer o cliente em sua campanha publicitária “Vai que”, que alerta que imprevistos acontecem e causam transtornos, mas – para aqueles que possuem algum tipo de seguro – o risco de ficar na mão é menor.
Por último, a empresa também pode usar a sua reputação para demonstrar que é uma provedora segura de soluções para consumidor.
Por exemplo, um dono de uma escola profissionalizante pode mostrar para potenciais alunos que a instituição já formou inúmeros jovens e, que após o curso, eles alcançaram posições melhores no mercado de trabalho. É recomendado que a empresa use casos reais na comunicação.
TOMAR ATITUDES NO PÓS-VENDA
O momento mais delicado – e quando a dissonância se manifesta – ocorre após a compra. É então que a empresa tem que reforçar ainda mais as características e benefícios do produto a fim de transmitir tranquilidade ao consumidor.
A regra é clara: toda a atenção que a empresa deu para o cliente na fase de convencimento de compra deve permanecer no pós-venda.
A construtora paulista Tecnisa realiza 42 pontos de contato com o cliente entre a realização da venda e entrega das chaves do imóvel – um intervalo de cerca de dois anos.
Poucos dias após fechar o negócio, o cliente recebe em sua casa uma caixa de champanhe, acompanhada de taças de cristal, com uma mensagem parabenizando pela aquisição do apartamento. A mensagem também traz a história de solidez da empresa no mercado.
Após três meses, a empresa envia um par de luvas de construção civil que marca o início das obras. Mensalmente, o cliente também recebe um email com fotos e infográficos sobre o andamento da construção.
Trimestralmente, a Tecnisa produz um vídeo com imagens da obra gravadas com drones. Profissionais que atuam no canteiro também comentam a evolução do empreendimento.
Uma das últimas etapas acontece seis meses antes da entrega das chaves. Nesse momento, o cliente é convidado para visitar a obra e decidir a personalização do imóvel, como escolha de peças de acabamentos. Junto com o convite, é enviado um capacete.
Todas as ações de pós-venda da Tecnisa representam apenas 0,12% do valor do imóvel. E o resultado é a maior satisfação do cliente.
De acordo com pesquisas internas, 88% dos clientes voltariam a fazer negócios com a empresa. Os atuais clientes também são responsáveis por 22% das novas vendas ao indicar a companhia para amigos e familiares – o que diminui substancialmente o custo de captação de novos consumidores.
De acordo com Romeo Busarello, diretor de marketing da Tecnisa e professor de pós-graduação da Escola Superior de Marketing e Propaganda (ESPM), a maioria das empresas negligencia a importância de prover uma boa experiência ao consumidor no pós-venda, o que impacta negativamente na fidelização de clientes.
“Carinho antes da compra é interesse”, afirma o executivo. “Carinho depois, é relacionamento.”
CRIAR RELACIONAMENTO GERA VENDAS
É consenso entre os especialistas que a empresa busque criar um vínculo de empatia e confiança com consumidor para gerar fidelização – e, consequentemente, aumentar as vendas.
Na Bike Works, por exemplo, o cliente é convidado a participar de passeios com um grupo de ciclistas que se reúnem semanalmente para explorar trilhas e montanhas do Rio de Janeiro.
“É comum que o ciclista iniciante não tenha acompanhantes para pedalar”, afirma Itamar Pedro, da Bike Works. “A ideia do grupo é formar uma comunidade entre os clientes para que eles compartilhem experiências e combinem passeios – ao mesmo tempo que faz com que a empresa seja percebida como referência no meio esportivo.”
Desde o início do ano, quando implantou novas práticas de gestão, o índice de fidelização da Bike Works cresceu três vezes. O tíquete médio e o número de itens por compra aumentou em 20%. A empresa prevê faturar R$ 1,2 milhão em 2015 – cerca de 20% mais do que no ano anterior.
Autor: Italo Rufino
Fonte: Diário do Comércio